Padres e cuidado psíquico, a urgência da questão, em defesa da vida!

13 de Outubro de 2021
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Houve um tempo em que padres eram autoridades de bastante influência social, nos lugares onde exerciam suas funções eclesiásticas. Diz-se que, em algumas cidades, os padres mandavam mais que o delegado. Fora o anedotário - que tem ancoragem na realidade - desse poder social do clero, o fato é que lideranças religiosas, sobretudo estas que são revestidas de status hierárquico, exercem influência na vida das pessoas. Atualmente, em contextos de secularização, essa influência se dá de maneira diferente, em grande parte - e que bom! -, pois já não vivemos em condições de lidar com relações pautadas na tutela das consciências, sobretudo das pessoas mais simples e vulneráveis.

A dimensão religiosa é estruturante na vida de muitas pessoas. Além disso, aquilo que é da ordem do religioso é envolto por reverências. As pessoas dedicadas à administração da coisa religiosa, nesse sentido, são também compreendidas a partir de uma lógica do sagrado. O papel social dos padres, assim, é recebido com certa postura reverencial, por parte das pessoas religiosas, afinal, presbíteros são oficiantes do sagrado, tocam naquilo que é da ordem de acesso ao divino… Diante disso, há padres e padres: os que vivem suas funções na lógica do serviço aos fiéis, como pastores; e há os que encontram realização no status alcançado por lugar religioso-social que ocupam.

A secularização da nossa cultura ocidental não apagou o religioso do nosso meio. É certo, porém, que ressignificou o lugar do religioso: passou a ser concebido como coisa do sujeito, e não mais ordenador social. Diante disso, o papel dos presbíteros também mudou: em geral, eles não são mais os que ditam comportamento; e, além disso, mesmo que a questão reverencial e de respeito permaneça, passaram a ser vistos não mais como seres intocados e quase que etéreos. Essas mudanças trouxeram uma crise no clero, que teve que se deparar com a nova realidade e buscar respondê-la. Uma tentativa - mais confortável - foi a de tentar recuperar um passado visto como áureo: a semiótica por trás da recuperação das batinas e clergymans, tiradas dos fundos dos armários, sobretudo pelos padres novos, é um sinal disso.

Há algo diante de tudo isso, sobretudo dessa crise que chama a uma ressignificação do papel dos ministros religiosos na sociedade atual, a respeito do qual precisamos nos atentar e refletir: a humanidade e a saúde psíquica dos presbíteros e demais agentes religiosos. O crescente número de presbíteros adoecendo e, em casos limites, tirando a própria vida, faz emergir a necessidade de um olhar mais humanístico e cuidadoso para com os que dedicam a vida ao serviço religioso. É a isso que nos dedicamos no Dom Especial desta semana. Partindo de uma dimensão mais ampla, César Thiago Alves, no artigo Religiosidade, fanatismo e humanização, busca refletir sobre a importante questão de quando a religiosidade impede o processo de humanização do sujeito. Camila Marçal, no artigo Quando a "vocação" impede o reconhecimento da função como um "trabalho", ajuda-nos a refletir sobre o importante processo de justa "dessacralização" do papel presbiteral, a fim de que seja qualificado num serviço humanizador para os agentes religiosos e para os fiéis. Por fim, Eliseu Gomes, no artigo Padre, sua vida também importa!, aborda a dura questão do aumento de número de suicídios entre o clero, convidando-nos a olhar com sensibilidade sobre as principais causas que tem nos levado a essa situação.